Almoço de família
Ontem, não houve nenhuma falta no almoço de família em casa dos meus pais. Quando lá chegamos, estava o meu irmão Filipe com a mulher e os dois filhos. Adoro aquelas crianças, especialmente o primeiro, o primeiro é sempre o primeiro, e este foi o primeiro de todos, o primeiro neto, o primeiro sobrinho. Depois, chegou o meu irmão Luís com os seus três filhos e a quarta mulher. A primeira mulher dele não quis ter filhos, então divorciou-se porque queria ser pai. A segunda mulher só quis ter um filho, divorciou-se porque queria ter mais. A terceira mulher quis parar no segundo filho, divorciou-se porque queria ter ainda mais filhos. Pergunto-me se haverá uma relação exponencial entre a duração dos casamentos e a quantidade de filhos que tem em cada um. A quarta mulher está grávida do primeiro filho entre eles, mas já é mãe de uma criança de uma relação anterior. Será que ele considera esta menina para as contas? Nunca vi a criança. Só me apetece dizer-lhe que pare de casar e de ter filhos. O mais inesperado foi ter ficado a saber, pela segunda mulher dele, que andam envolvidos. Fico amiga de todas as suas ex-mulheres, mas há coisas que preferia não saber. Depois, chegou Henrique com a mulher, que enche a casa de alegria com a sua boa disposição, e os dois pares de gémeos. Ela diz ter sido abençoada, tem quatro filhos e só ficou grávida duas vezes.
Por isso, foi uma tarde passada com nove crianças pequenas e os seus nove pulmões repletos de força para as suas bocas que parecem megafones quando estão todas juntas. «Tia, vem brincar connosco às apanhadinhas!», perguntavam-me antigamente. «Isso não», respondia, «mas podemos ler um livro ou fazer um desenho», sugeria. Respondiam-me que não, o que compreendo, nesta idade é mais divertido brincarem às apanhadinhas, mas eu já tenho outra idade, divirto-me com outras coisas. «Chamem o tio Luís que ele adora brincar às apanhadinhas», entregava o assunto.
Há uns meses, comprei uns tampões cuja publicidade enganosa dizia anularem o som. Não anulam, mas reduzem bastante aquela estridência de decibéis demasiado elevados para a saúde de qualquer audição. Então, sempre que vêm ter comigo, aponto para os ouvidos e digo que não ouço nada. «Tira os tampões!», gritam. Faço de conta que não ouço.
Apesar da barulheira, gosto de ser a última pessoa a sair. O meu irmão Luís passou o tarde a dizer que tinha de ir, que tinha de ir, parece que faz um favor com a sua companhia, mas fica ansioso porque tem os filhos que não passarão a semana com ele por distribuir pelas mães. Mas quando sai é logo um alívio, menos três crianças dentro de casa fazem a diferença. Depois, saiu o meu irmão mais novo com os gémeos, e o ar ficou ainda mais leve. Por fim, levei o meu irmão Filipe e a família até ao portão para me despedir deles e voltei para dentro. O N. conversava com os meus pais, esperou que aquela chinfrineira acabasse para pousar o livro que levou e começar a falar. Como o entendo, tinha chegado o momento de sentir o sossego. Coloquei um toro na lareira, aconcheguei uma nova pinha, e fiquei aninhada, à espera que começassem a arder. O meu pai levantou-se e colocou o vinil Kind of Blue a tocar por saber que não me canso de o ouvir. Ainda me continua a mimar e este tipo de mimo vale ouro.