Amizade
Ontem, telefonou-me uma amiga muito querida. Não atendo o telemóvel a qualquer pessoa ou em qualquer momento, são poucas as pessoas, talvez quatro, a quem atendo sem hesitar. Em relação às outras, curvo o pescoço e digo para mim «agora, não», ou então viro o ecrã para baixo ao mesmo tempo que retiro o som como se não estivesse em casa e usasse um telefone fixo, daqueles em que se enfiava o dedo indicador no orifício do número e se desenhasse um círculo para o marcar. Na altura destes telefones, se não estivéssemos em casa não saberíamos que nos tinham telefonado e quem não nos conseguiu contactar tentaria noutras alturas se estivesse realmente interessado. Se estivéssemos em casa e não nos apetecesse atender o telefone, ou na desconfiança de ser alguém com quem não queríamos falar, não atendíamos e nunca ficaríamos a saber quem estaria do outro lado. Poderia causar desespero em alguns momentos, mas muita liberdade noutros. Eu comporto-me com o meu telemóvel como se fosse um desses telefones antigos, raramente retribuo as chamadas que não quis atender. Poder-se-ia pensar que fico com remorsos ou com algum peso na consciência. Nenhum, preso muito a minha liberdade, respeito o meu tempo e o meu silêncio. Afinal, é o telemóvel que tem de estar ao nosso serviço e não ao contrário.
Mas na conversa com esta amiga, partilhei a viagem que farei em breve por prazer em partilhar, e ao contrário da mesma partilha que fiz na outra chamada de há poucos dias, senti-me bem, sentimo-nos bem e demos gargalhadas com o tamanho minúsculo das malas que agora permitem viajarem connosco. Depois da chamada, refleti neste calor que senti no peito e percebi a diferença. Há pessoas que querem ser nossas amigas, nós queremos ser amigos de determinadas pessoas, e, em raros casos, sentimos amizade por quem sente amizade por nós e a amizade, a verdadeira amizade, é isto, sentir. A amizade não se pede, não se exige, não se quer ou não se aceita só para fazer a vontade a outros. A amizade começa como uma espécie de paixão que depois da curiosidade inicial talvez morra com o desinteresse, pelo sentimento de indiferença, pelo erro de casting — às vezes, há mesmo erros de casting… —, ou então fica um amor que é para a vida, uma amizade que nos faz sorrir e aquecer o coração.