Em Paris. Viveria nesta cidade como se fosse minha. E não é minha? Já não sei de onde sou. O bom de vir ao Café de Flore no mês de fevereiro e durante a semana é sentar-me assim que chego, a ausência de filas criadas por turistas. O porteiro abriu-me a porta e indicou-me a primeira mesa à direita, junto ao vidro, na esplanada interior. Peço apenas um café expresso, acabei de almoçar. O café chega quase logo e reparo numa mulher a três mesas da minha a olhar-me com fixação, de boca aberta. Tem o cabelo castanho, longo e em cachos, usa uma maquilhagem elegante e um casaco de pelo. Deve ter pouco mais de setenta anos. Desvio o olhar, mas inevitavelmente tento reparar se ainda me observa. Continua a olhar e questiono-me se será tolinha. Talvez não, a mulher desvia o olhar também, apesar de continuar a olhar para mim de vez em quando, com a mesma expressão de espanto. Remexe na carteira à procura de alguma coisa.
Telefono à minha mãe do café. «Será alguém da nossa família?», pergunto. «É possível, é possível. Como se chama?», quer saber. «Não falei com ela, mãe! Não, não a acho parecida com ninguém da família», respondo. «Ficou apenas curiosa, certamente», diz-me. Gosto das respostas tranquilizantes e enigmáticas da mãe. “Ficou apenas curiosa”, disse ela, mas com o quê? Esqueço-me da presença daquela mulher e fico a observar quem passa na rua, a sorrir com as respostas que a mãe me dá. Talvez lhe faça perguntas não para compreender o mundo, mas para o aceitar.
Um perfume perfeito surge perto de mim e vejo o bonito casaco de pelo ao meu lado.
— Bonjour, incroyable, n´est-ce pas?
A mulher mostra-me uma fotografia sua de quando era um pouco mais nova do que eu. «Oh là là, c´est moi?», pergunto incrédula. Não saberia dizer se na fotografia sou eu ou se é ela, nem os meus irmãos são tão parecidos comigo. Desta vez, sou eu que fico com a boca aberta de espanto. Pergunto-lhe o nome, digo-lhe o meu, concluímos não haver qualquer relação familiar e desejamos uma vida bonita a cada uma.